O mar de carros novamente invade a cidade, com o fim das férias e do carnaval. Tento inventar brincadeiras pra conseguir enfrentar esses momentos... penso em alternativas... saio andando por aí, alguns dias da semana, fugindo dos carros, buscando passos, ganhando vida.
Andar pela cidade revela-nos outras cenas que não conseguimos ver, protegidos pelo andador de quatro rodas, às vezes surpreendentes. Algumas estranhas, outras melancólicas. Fui pega por uma dessas dias atrás: triste, intrigante.
Aconteceu por acaso, o dia em que me dei conta da cena pela primeira vez. Numa esquina, sentado com as costas bem retas quase encostadas na parede de um prédio e os joelhos dobrados, um homem novo, de olhar triste e perdido, ali estava. Simples, com roupas gastas, jeito de homem do interior e de ter sido, de alguma maneira, trabalhador. Não estava pedindo nada, nem mendigando, apenas estava ali, olhando para o nada, enquanto as pessoas passavam em sua frente no passeio e nem o enxergavam. Eu o vi, e na hora senti aquele aperto que dá na gente quando vemos alguém com jeito de estar precisando de ajuda, mas não temos coragem de nos aproximar. Passo sempre por essa esquina, por isso sei que ele nunca havia estado ali antes.
Segui um pouco curiosa com o motivo de sua presença, e depois me esqueci dele... passaram-se alguns dias e lá o encontrei de novo. O mesmo jeito, a mesma roupa, o mesmo olhar. Pensei no porquê de sua permanência, em como estava se alimentando, se alguém da família o procurava, porque sua expressão parecia ser aquela de quem perdeu o contato com o mundo e não sabe mais de si. Não tem jeito de marginal, de quem vai fazer algo de ruim com as pessoas. Tem jeito de que vai ficar ali até morrer de fome, e é isso que agora não sai mais do meu pensamento.
Ontem eu o vi novamente. Eram oito horas da manhã e lá estava ele, na mesma calçada, sentado, e a rua já cheia com a movimentação da sexta-feira se iniciando por causa da Feira das Flores. Não resisti e meu olhar durou mais do que os segundos das vezes anteriores. Pela primeira vez então ele me percebeu, e virei o rosto para outro lado, sem graça e aflita. Segui envergonhada, com a falta de coragem para oferecer ajuda, ou medo, sei lá. Nos dias de hoje até pensar em acolher quem necessita parece antecipar cenas de horror, e a gente acaba recuando, covardemente.
Pensei a quem recorrer, se existe algum serviço social na abordagem de moradores de rua, alguém que possa, de fato, ajudar ao homem perdido. Estou realmente penalizada...alguém, em algum lugar, deve estar sofrendo com sua ausência, querendo notícias, esperando sua volta.
Escrevo hoje na esperança de alguma sugestão de quem lê minhas letras... preciso dividir a angústia que surgiu com a troca de olhar com o homem esquecido... a verdade é que vivemos hoje num mundo onde a gente acaba fechando os olhos pra não enxergar quem precisa de nós... o medo nos torna egoístas...enquanto isso, não consigo esquecê-lo. Quem irá salvá-lo da solidão, se quem o enxerga só consegue escrever pra tirar o peso do coração?
Letras não fazem com que o frio passe, com que a fome acabe, com que esse homem possa novamente existir para alguém...
Letras...para que?
Não me deixem aqui, sentada na poltrona, em dia de domingo...
Ai Ju...vou te falar o que eu faço quando sou capturada assim: dou um pão de queijo e puxo uma conversa. Letras escritas não aplacam o frio e a fome...mas letras faladas às vezes sim...
ResponderExcluirP.S. Adorei te ver.
Juliana,
ResponderExcluirSuas letras me capturaram, assim como seu jeito amoroso. Sorria para ele e assim, talvez receba um sorriso de volta.
Certa vez me indagaram que em nosso país não existem intelectuais, por isso ele não tem mais solução.
Eu tenho muita esperança, principalmente quando conheço pessoas como você, a Vic, o Musso e me vem aquela imagem infantil de uma roda e: mão na mão!
Nada de sozinha no sofá enfrentando os vídeos coagidos...
Prazer em conhecê-la,
Maria Rita.
Que bom, Maria Rita, que de letra em letra eu posso me aproximar de pessoas parecidas comigo...volte sempre, será um grande prazer ter sua companhia.
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