domingo, 25 de novembro de 2012

a melhor das entregas


e então a manhã chegara, mas muito cedo ele viu seu sono ir embora só pra sofrer com o tempo da espera...ainda bem que marcaram o encontro pras onze da manhã...além de antecipar o fim das batidas fortes do coração, teriam horas do dia pela frente pra sentir doses de afeto se espalhando entre amigos pelo momento dos dois, compartilhado...

...o irmão, melhor amigo de todos os tempos, primeiro o deixou e em seguida foi buscá-la, bem ali perto, na casa de onde ela sairia pra viver em outra, onde permaneceria pra sempre ao seu lado...

e foi então que as cenas de um casamento, que nessas horas são sempre muito parecidas, se desenharam com um início surpreendente...os passos que ela deu em sua direção, ao lado de um pai atônito por não vê-lo no lugar tradicional, foram acompanhados por sua voz de cantor, ali se misturando à voz de um noivo emocionado e encantado com a chegada dela, que feliz se aproximava, tranquila, divertindo-se com a reação do pai, certa da espera dele, recebendo o amor em canção, entoada pelos cantos da igreja...

e assim aconteceu...o cantor, o casamento, noivo e noiva em o amor e suas voltas...e a melhor das entregas...






(*baseado em uma história real)

quarta-feira, 31 de outubro de 2012

amor de posse


nada, amor, nada...adianta não você querer saber o que tenho, tenho nada, só quero poder me silenciar um pouco...às vezes é preciso...

....ele insistia em saber tudo sobre ela, o gosto, o pensamento, o dia, a noite, a madrugada de sono, se houve, ou se houve vigília foi por que, ou por quem, que na verdade era esse o medo que o acompanhava, o que poderia ocupar o pensamento daquela mulher que não ele...

conheceram-se há pouco mais de um ano, ela interessada em aprender novidades, ele entediado em ensinar e cansado dos mesmos alunos desatentos, sua presença curiosa logo lhe despertou atenção...quem seria a moça que não largava o olhar de tudo o que ele dizia?

em pouco tempo as aulas se prolongaram em conversas de corredor, fazendo depois o caminho conhecido que o amor toma quando está se iniciando, o passeio tímido pelos bares da cidade, o jantar apreensivo com jeito de firmar compromisso, o beijo desejado, o encontro dos corpos, as juras eternas, amém...

não tinham presente que os impedissem de nada e o amém se transformou rapidamente em cotidiano, cama dividida no apartamento dele porque os livros eram tantos que não podiam se mudar dali...no início uma festa, como sempre há festa no início do amor...ela feliz com as atenções dele, o carinho dele, a presença dele, mesmo às vezes achando que pareciam um pouco demais...mas vinha de um passado de descasos juvenis que pensava que a maturidade fazia homens diferentes dos que conhecera, então foi se deixando levar...feliz estava e assim pretendia continuar...

era essa a promessa de um futuro que ela desejava...nunca imaginou nada muito sério em idade de descobertas mas se entregou sem muitas dúvidas porque sempre foi de pensar que a vida não pede muito adiamento das coisas, senão ela passa rápido demais e não espera os planejamentos.

o problema foi quando começaram as perguntas...eram algumas que viraram outras, que viraram muitas e acabaram em tormento diário pra alguém que não pensava em nada mais a não ser passar o tempo ao lado de um amor tranqüilo...

respondia muito no início, respondia pouco com o passar dos dias, respondia nada quando entendeu que dono era o que ele queria ser dos dias livres que sempre foram dela...

o silêncio virou razão pra briga, a briga virou passagem pro medo, o medo virou sinal de que ela teria que sumir...

sumiu...sem deixar bilhete, sem deixar lembrança, sem deixar carinho espalhado pela casa porque este acabou com os gritos dele...

soube depois que não foi a primeira...mas que foi a única que teve a coragem de buscar estrada além daquele amor de posse...

(da Série: "O amor de cada um", n.18)




domingo, 8 de julho de 2012

do amor



...quando a gente se despede,

quando a noite termina as horas do nosso passar juntos,

morre sempre dentro de mim alguma coisa sem nome,

alguma coisa sem tempo, sem jeito de existir,

morre sempre o destino mais uma vez não cumprido

de ter nossas vidas para todo sempre amém...


...quando a gente se despede,

arrasto passos,

pra que a distância entre nós aumente, mas muito devagar

pra que eu possa acreditar, mesmo que por um breve instante, que ela não existe...

e que basta eu me virar pra ter de volta a certeza do amor...


(da Série: "O amor de cada um", n.17)

segunda-feira, 2 de julho de 2012

Meu julho



                            ...e então veio julho, meu mês bem-vindo,

                       e quando a tarde já se ia, segundo me contaram,

                               comecei meu romance com a vida...


                                   



sábado, 23 de junho de 2012

amor, de cada um



...não pensou muito antes de fazer o que fez...não era lá de se deixar levar pela impulsividade, mas anos guardando aquele amor em segredo, ao mesmo tempo que achava antigo demais “amar em segredo” nos dias de hoje, que naquela noite não resistiu às confidências...sempre achou que amor que não pode ser vivido não é pra ser revelado e aquele era o caso dos dois, quer dizer, não era um caso, era “o” caso, uma história sem possibilidades que a invadia “pelos sete buracos” da sua cabeça, como na música do Caetano, na sua presença ou ausência diárias, pois tanto uma quanto a outra eram constantes. estar com ele ou estar sem ele só o tornava mais presente, pois ele era o lugar...não dizia nada, não fazia nada, só que sabia que ele sabia e fazia de conta que não sabia e fazia isso porque queria e não queria saber o que ela vivia escondendo pra não revelar... “ser ou não ser”, era a questão que lhe cercava todas as vezes que pensava em desistir de um romance em aberto...mas naquele dia, naquela festa, naquela troca de olhares, naquele momento em que o vinho foi um tanto demais pra segurar suas palavras, resolveu ir embora antes que cedesse à vontade de ficar "para todo o sempre" ao lado dele e perdesse o caminho seguro que sempre a levava de volta pra casa. mas acontece que “o coração tem razões que a própria razão desconhece” e, antes que pensasse melhor, digitou pelo celular uma mensagem e entregou a Deus o destino que ela poderia ter, mas pensou que assim seria seu jeito de dizer que desejo por tantos anos deixa qualquer mulher desorientada, e uma mulher desorientada vai sempre deixar um rastro qualquer perdido na madrugada, e seu rastro foi esse, a tal mensagem, que era nada menos do que “palavras que não param de surgir na minha cabeça...você delimita espaços mas minha vontade de você não conhece limites. faço muito pra me conformar. mas hoje o que eu sei é que amo muito você. muito. enormidades. mesmo em ausência de respostas. mesmo mergulhada em impossibilidades. o meu amor é seu”...e essas palavras foram o único rastro que deixou antes de mergulhar no mar...sumiu. não suportou dizer a ele o que não tinha como apagar mais. talvez por isso tenha entrado mar adentro. ninguém soube dessa história, nem ele, que desligou o celular sem ler nada de suas linhas, antes dela desaparecer do mundo real. hoje restam uma foto,  que alguns amigos espalharam na tentativa de encontrá-la, e esse celular, achado por mim numa areia de uma praia qualquer. o que vou fazer com isso? nada...apenas escrever mais uma história de amor sem final feliz, com essa versão que inventei, porque o amor é de cada um...

(da Série: "O amor de cada um", n.16)

segunda-feira, 7 de maio de 2012

Em aberto...

...


Letras de retalhos

Letras que te quero ler

Diariamente

Traçando letras

Traçado

Textecendo

Ponto em aberto


segunda-feira, 27 de fevereiro de 2012

Ana Laura


uma carta não enviada:

http://cartasnaoenviadas.com/?p=67

uma resposta a ser lida:


Ana Laura,

acabei de ler sua carta em um site, por puro acaso, e não venha me dizer que não foram seus dedos longos que digitaram as letras que vi dançarem na frente dos meus olhos enfurecidos...

...enfurecidos, sim, por você nos expor assim, no anonimato, sem coragem nem pra assumir que preferiu fugir de mim a viver o tal amor que você vive espalhando pelos bares da cidade, sempre com a desculpa de que eu é que desisto de nós dois.

...enfurecidos, sim, por você me deixar fazer planos, acreditar na sua vinda, na nossa vida, no meu sonho de dar a volta ao mundo em muito mais que 180 dias, só pra prolongar o prazer de sentir você perto de mim...

...entristecidos, sim, por ver você transformar o pior momento que me atingiu como tragédia inesperada em abandono, como se meu desespero em lidar com tudo aquilo num lugar longe do que era um lar fosse um ato desmedido e irresponsável de deixá-la à deriva em mar aberto, sem resgate...

...eu não “abandonei” você...não se lembra do que combinamos? Eu simplesmente não conseguia me levantar um dia sequer naqueles tempos e fiquei à sua sombra, pedindo que você cuidasse de mim, e você não suportou ver um homem fragilizado em terras distantes. Combinou de dar um jeito de voltarmos juntos e saiu um dia pela janela prateada, da casa de pé direito alto, que quase tocava as nuvens, e desapareceu...e eu quase acabei mesmo de enlouquecer...

Passei dois anos te procurando...e em tantos lugares mais que “ruas”, “pontos de ônibus”, “programas de rádio” ou “novelas”, como você listou em sua busca imaginária...te procurei em todas as entrelinhas possíveis e impossíveis, em todas as cartas de amor não enviadas, em todos os dias que terminavam e começavam, pra que a vida não se encerrasse sem a sua descoberta.

Aí você vem dizer que voltei do nada, pra nada, como um “afeto perdido”, como se assim se resumisse a nossa história de amor.

Não sei pra quem você escreveu tamanha mentira.

Pra mim, não foi...

Se você achava que “cartas não enviadas” não chegam, quero te dizer que palavras chegam quando precisam dizer...

Não vou contar como chegaram. Só vou contar que, agora, eu é que irei me retirar ao anonimato. Afeto perdido, perdido está.

Sinto, Ana Laura, por este desfecho. Não é nem de perto o que esperei pra nós dois. Mas fui...e, dessa vez, sem endereço de correspondência!

ML

(da Série: "O amor de cada um", n.15)



sexta-feira, 10 de fevereiro de 2012

Naquela praça, naquele bloco

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O bloco nem saiu da praça e ela parecia mais nervosa do que nunca, sentindo o corpo esquentar por causa da fantasia que inventou de vestir...queimando por dentro, percebeu o rosto corar quando ele virou a esquina...há meses esperando revê-lo ali, pra poder viver o sábado de carnaval mais desejado do mundo, desde que se esbarraram numa festa da cidade e falaram sobre o carnaval... “você vai, não vai?” Ele perguntou ao final da noite...e se prometeram aquele encontro...mas como ter certeza de alguma coisa quando se tem 20 anos? Prometer, pro dia seguinte, já é tempo demais...meses, então, só mesmo com muito desejo...

Fingiu não reconhecê-lo, esperando que ele desse passos decididos em sua direção...mas nem bem os passos se iniciaram, ele foi cercado por amigos que foram logo lhe vestindo a camiseta, dando-lhe cerveja, desviando-o de um caminho dado como certo...

Ela não acreditou na cena... “viu, sua boba, perdeu a hora, e agora vai perder a tarde toda, porque dali ele não sai mais”, pensou, desolada.

Andou a procura de uma amiga que chegava, disfarçando a falta de graça, quando sentiu em seu braço a certeza de que nada estaria perdido... “aonde você está indo, menina? Não me viu chegar?”...sem esconder o sorriso de pura felicidade, aceitou o abraço oferecido e respondeu, sem mentir... “esperei pra ver se você se lembraria de mim...”

“de nós, você quer dizer”...então ele lhe tomou as mãos e assim permaneceram por todo o trajeto, da Praça Cairo à Leopoldina...

O ar do bairro prometeu amor aos dois... mais um casal naquela praça, naquele bloco, naquela tarde de carnaval, pelas ruas da cidade...


segunda-feira, 6 de fevereiro de 2012

Dois ou um: a escolha

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...era muito fácil dizerem a ele o que fazer...esquece, muda de cidade, muda de país, você consegue se apaixonar de novo, os amigos, então, ninguém suporta ver um homem chorar por amor, parece fraqueza, coisa de mulher, imagina, ela não te merece, só pode ser vadia, ela vai voltar se arrastando quando ver você com outra, ela nunca prestou, todos, todos mesmo, todos os conselhos só serviam pra jogá-lo mais ainda num buraco que parecia interminável, desde o dia em que ela anunciou em alto e bom som, agora acabou, Elídio, não aguento mais viver ao seu lado, você me sufoca, fica vigiando o caminho dos meus passos, como se meus passos fossem dar na cama de algum homem por aí, e eu tentei te provar durante mais de cinco anos que só vivi pensando em você, pensando em te dar filhos, que você nunca quis porque no fundo não consegue pensar em ninguém aconchegado nos meus braços que não seja você, nem uma criança, nem um filho feito de nós dois, com nosso jeito, nossa mistura, nem isso você quis, de tanto ciúme, e isso é doença, não consigo mais, ela disse, comovida, ele percebeu, mas decidida a nunca mais voltar, isso ele também percebeu, e ficou tão perplexo que não teve reação na hora, deixou ela dar meia volta com aquela mala vermelha, presente que ele deu, sem nunca imaginar que a mala serviria pra ela reunir seus pertences e seguir outro caminho.

Todo mundo achou que ele não deixaria, gritaria, trancaria a porta, bateria nela e talvez fizesse até pior, porque homem ciumento reage assim, prefere se ferrar pelo resto da vida a deixar a mulher ir embora, pois mulher igual a ela não ia nunca ficar sozinha, então, na verdade, o caminho dela ia dar mesmo na cama de outro, só de pensar dava vontade mesmo de matar...mas tudo virou com aquela saída, ele não fez nada...enquanto ela abria a porta pro mundo, ele parecia não acreditar, ficou meio abobalhado, ficou horas assim, depois dias, a família entrando e saindo da sua casa, mandando ele comer, voltar pro trabalho, os amigos falando aquelas coisas, e ele só chorando, querendo ela de volta, pensando na dor e no horror de perder a mulher que ele enfeitou nos sonhos até conseguir levá-la pra morar com ele e agora, nada, ela indo embora, a vida indo embora, o pensamento indo embora, o homem que ele era indo também, agarrado ao corpo dela, que nunca mais seria dele.

...eu sempre disse que isso não ia dar certo, onde já se viu acreditar que ela levava sua vida dentro dela, eu te disse meu filho, amor assim é morte certa, ou morre você ou morre ela, coração só bate pra um, bater pra dois não aguenta, esforço demais pra manter duas pessoas vivas, dizia a mãe, tentando resgatá-lo, repetia as mesmas palavras de antes, de quando notou o filho colado de amor, sem pensar em mais nada, transformado por anos até perder a coragem de viver, como ele estava agora, deitado no sofá, na sala escura, na vida escura que se tornou inferno desde o dia da mala vermelha.

...gente, me deixa chorar, me deixa morrer de saudade, me deixa...só quero pensar nos olhos dela, no cabelo dela, no gesto antes do sono, de como ela arrumava o travesseiro pra dormir mais perto de mim, dos afagos quando eu chegava irritado do trabalho, do carinho nos cachos do cabelo que ela sabia que eu adorava desfazer, dos avisos que eu não escutei de que estava demais o meu ciúme, me deixa ficar com a minha dor, me deixa...

...de tanto pedir foi deixado...nem família, nem amigo, ninguém consegue aguentar tanto choro de um homem, ele sabia disso, e ele sabia também que agora era a vida ou a morte, não tinha mais volta no que ele estava sentindo não, ficou dias pensando nisso, de quem tirar a vida, de como fazer, quando, hora, lugar, melhor jeito, melhor roupa, dormia, acordava, pensava, rascunhava a idéia, tornava a dormir, cansou...

...levantou do sofá, fechou todas as janelas, abriu o gás da cozinha e voltou pra sala...adormeceu e esperou...logo viria o sonho e ela voltaria pros seus braços...e nesses braços ele iria, finalmente, deixar de sofrer...


(da Série: "O amor de cada um", n.14)

sábado, 14 de janeiro de 2012

Ausência


...o que eu faço com isso? Ele me pergunta, receoso de jogar fora lembranças de um passado recente que ele quer apagar e sabe que teimo em conservar tudo que tenha um pedaço de laço qualquer entre eu e o mundo...nada, respondo, apenas passe pras minhas mãos que preciso reler essas linhas antes de me decidir...

...desse jeito vamos ter que trazer um marceneiro pra ele inventar uma estante minúscula que caiba em um barco antes de sairmos navegando por aí...você me propôs essa vida mas não se desfaz de nada e quer levar o mundo com você...ou o mundo ou você, resolva, os dois não cabem, aliás, os três - eu, você e o mundo - não cabem...

...ai! Penso como pude acreditar que conseguiria virar as costas pra minha história porque existe um amor me acenando cenas de aventuras que nunca me permiti viver antes. Agora me vejo presa na armadilha que criei sem saber como responder a cada pergunta que ele me faz diante dos meus objetos, cartas, fotos, meus CDs, livros, minha casa... ele quer que eu jogue tudo fora e leve apenas meu nome pro barco. Ele diz que seremos descobridores dos mares e que nossos objetos serão as surpresas que iremos recolher durante a rota que seguiremos juntos por toda a vida, amém...ele acha que me conhece mas não entende nada de mim...não posso dizer pra toda a vida porque sou inquieta, inconstante, insegura, receosa, nunca sei se escolhi certo e logo mudo minhas escolhas, nunca sei o que quero, nem sei se acredito que ele me ama como diz amar, você vai cometer uma loucura, a voz da mãe martelando todo dia na minha cabeça desde que contei pra família que iria embora com ele sem saber quando iria voltar, a voz da mãe traz medo de fazer o contrário do que ela diz, sempre foi assim, desde criança, vinha a mãe ralhar, eu me encolhia, pensava se desistia, custei a ter coragem de desafiar, mas o medo sempre me acompanhou...

...dias remexendo as bagagens de anos de uma vida e ele pressionando pra eu acabar rápido com isso que janeiro logo termina e a gente nem vai ter saído do lugar...ele não percebe que quero ganhar tempo porque agora não sei mais se quero ir embora, se quero esse tal amor, se quero ser dele pelos dias futuros até termos um passado, se quero arriscar mesmo sabendo que posso ser feliz assim, se quero virar notícia entre os amigos, vocês viram o que a Elisa foi capaz de fazer, não acredito, foi sim, nem despediu de ninguém, nem olhou pra trás, nem terminou o curso, nem fez nada dos planos que tinha, nem isso, nem aquilo...

...olho pra ele, tão terno, tão amoroso, tão tudo o que esperei a vida toda que meu medo triplica, fraquejo, penso que vou fazer uma canalhice, mas não vou ter coragem de me entregar assim, penso que vou sair pela porta, vou até a rodoviária, vou embarcar no primeiro ônibus que eu achar passagem num guichê qualquer, penso tudo isso em um segundo e quando dou por mim já me decidi e é por isso que estou aqui te contando essa história, porque tudo isso aconteceu há mais de 20 anos e vim parar nesse lugar e ninguém nunca mais ouviu falar de mim...se nunca me arrependi? Fiz um trato comigo quando saí pela porta, de não pensar em nada mais do que ficou pra trás, aliás, nunca pensei mesmo, só hoje, porque você veio com essa história de que me procura há anos, me encheu de pergunta, falou que seu pai nunca me esqueceu e que se essa que você procura for eu de verdade, você quer me levar pra que ele me veja, olha, menina, tá perdendo seu tempo, não quero pensar sobre isso, não, não quero ver esse amor que não aconteceu, não quero sair com você, não quero ter essa chance agora, o tempo já desenhou outro rosto em mim, seu pai nem iria me reconhecer, volta lá, diz a ele que não me encontrou, melhor a dúvida, melhor ele não me pedir pra dizer por que fiz tudo isso assim...até hoje eu também procuro essa resposta...

(da Série: "O amor de cada um", n.13)