segunda-feira, 27 de fevereiro de 2012

Ana Laura


uma carta não enviada:

http://cartasnaoenviadas.com/?p=67

uma resposta a ser lida:


Ana Laura,

acabei de ler sua carta em um site, por puro acaso, e não venha me dizer que não foram seus dedos longos que digitaram as letras que vi dançarem na frente dos meus olhos enfurecidos...

...enfurecidos, sim, por você nos expor assim, no anonimato, sem coragem nem pra assumir que preferiu fugir de mim a viver o tal amor que você vive espalhando pelos bares da cidade, sempre com a desculpa de que eu é que desisto de nós dois.

...enfurecidos, sim, por você me deixar fazer planos, acreditar na sua vinda, na nossa vida, no meu sonho de dar a volta ao mundo em muito mais que 180 dias, só pra prolongar o prazer de sentir você perto de mim...

...entristecidos, sim, por ver você transformar o pior momento que me atingiu como tragédia inesperada em abandono, como se meu desespero em lidar com tudo aquilo num lugar longe do que era um lar fosse um ato desmedido e irresponsável de deixá-la à deriva em mar aberto, sem resgate...

...eu não “abandonei” você...não se lembra do que combinamos? Eu simplesmente não conseguia me levantar um dia sequer naqueles tempos e fiquei à sua sombra, pedindo que você cuidasse de mim, e você não suportou ver um homem fragilizado em terras distantes. Combinou de dar um jeito de voltarmos juntos e saiu um dia pela janela prateada, da casa de pé direito alto, que quase tocava as nuvens, e desapareceu...e eu quase acabei mesmo de enlouquecer...

Passei dois anos te procurando...e em tantos lugares mais que “ruas”, “pontos de ônibus”, “programas de rádio” ou “novelas”, como você listou em sua busca imaginária...te procurei em todas as entrelinhas possíveis e impossíveis, em todas as cartas de amor não enviadas, em todos os dias que terminavam e começavam, pra que a vida não se encerrasse sem a sua descoberta.

Aí você vem dizer que voltei do nada, pra nada, como um “afeto perdido”, como se assim se resumisse a nossa história de amor.

Não sei pra quem você escreveu tamanha mentira.

Pra mim, não foi...

Se você achava que “cartas não enviadas” não chegam, quero te dizer que palavras chegam quando precisam dizer...

Não vou contar como chegaram. Só vou contar que, agora, eu é que irei me retirar ao anonimato. Afeto perdido, perdido está.

Sinto, Ana Laura, por este desfecho. Não é nem de perto o que esperei pra nós dois. Mas fui...e, dessa vez, sem endereço de correspondência!

ML

(da Série: "O amor de cada um", n.15)



sexta-feira, 10 de fevereiro de 2012

Naquela praça, naquele bloco

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O bloco nem saiu da praça e ela parecia mais nervosa do que nunca, sentindo o corpo esquentar por causa da fantasia que inventou de vestir...queimando por dentro, percebeu o rosto corar quando ele virou a esquina...há meses esperando revê-lo ali, pra poder viver o sábado de carnaval mais desejado do mundo, desde que se esbarraram numa festa da cidade e falaram sobre o carnaval... “você vai, não vai?” Ele perguntou ao final da noite...e se prometeram aquele encontro...mas como ter certeza de alguma coisa quando se tem 20 anos? Prometer, pro dia seguinte, já é tempo demais...meses, então, só mesmo com muito desejo...

Fingiu não reconhecê-lo, esperando que ele desse passos decididos em sua direção...mas nem bem os passos se iniciaram, ele foi cercado por amigos que foram logo lhe vestindo a camiseta, dando-lhe cerveja, desviando-o de um caminho dado como certo...

Ela não acreditou na cena... “viu, sua boba, perdeu a hora, e agora vai perder a tarde toda, porque dali ele não sai mais”, pensou, desolada.

Andou a procura de uma amiga que chegava, disfarçando a falta de graça, quando sentiu em seu braço a certeza de que nada estaria perdido... “aonde você está indo, menina? Não me viu chegar?”...sem esconder o sorriso de pura felicidade, aceitou o abraço oferecido e respondeu, sem mentir... “esperei pra ver se você se lembraria de mim...”

“de nós, você quer dizer”...então ele lhe tomou as mãos e assim permaneceram por todo o trajeto, da Praça Cairo à Leopoldina...

O ar do bairro prometeu amor aos dois... mais um casal naquela praça, naquele bloco, naquela tarde de carnaval, pelas ruas da cidade...


segunda-feira, 6 de fevereiro de 2012

Dois ou um: a escolha

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...era muito fácil dizerem a ele o que fazer...esquece, muda de cidade, muda de país, você consegue se apaixonar de novo, os amigos, então, ninguém suporta ver um homem chorar por amor, parece fraqueza, coisa de mulher, imagina, ela não te merece, só pode ser vadia, ela vai voltar se arrastando quando ver você com outra, ela nunca prestou, todos, todos mesmo, todos os conselhos só serviam pra jogá-lo mais ainda num buraco que parecia interminável, desde o dia em que ela anunciou em alto e bom som, agora acabou, Elídio, não aguento mais viver ao seu lado, você me sufoca, fica vigiando o caminho dos meus passos, como se meus passos fossem dar na cama de algum homem por aí, e eu tentei te provar durante mais de cinco anos que só vivi pensando em você, pensando em te dar filhos, que você nunca quis porque no fundo não consegue pensar em ninguém aconchegado nos meus braços que não seja você, nem uma criança, nem um filho feito de nós dois, com nosso jeito, nossa mistura, nem isso você quis, de tanto ciúme, e isso é doença, não consigo mais, ela disse, comovida, ele percebeu, mas decidida a nunca mais voltar, isso ele também percebeu, e ficou tão perplexo que não teve reação na hora, deixou ela dar meia volta com aquela mala vermelha, presente que ele deu, sem nunca imaginar que a mala serviria pra ela reunir seus pertences e seguir outro caminho.

Todo mundo achou que ele não deixaria, gritaria, trancaria a porta, bateria nela e talvez fizesse até pior, porque homem ciumento reage assim, prefere se ferrar pelo resto da vida a deixar a mulher ir embora, pois mulher igual a ela não ia nunca ficar sozinha, então, na verdade, o caminho dela ia dar mesmo na cama de outro, só de pensar dava vontade mesmo de matar...mas tudo virou com aquela saída, ele não fez nada...enquanto ela abria a porta pro mundo, ele parecia não acreditar, ficou meio abobalhado, ficou horas assim, depois dias, a família entrando e saindo da sua casa, mandando ele comer, voltar pro trabalho, os amigos falando aquelas coisas, e ele só chorando, querendo ela de volta, pensando na dor e no horror de perder a mulher que ele enfeitou nos sonhos até conseguir levá-la pra morar com ele e agora, nada, ela indo embora, a vida indo embora, o pensamento indo embora, o homem que ele era indo também, agarrado ao corpo dela, que nunca mais seria dele.

...eu sempre disse que isso não ia dar certo, onde já se viu acreditar que ela levava sua vida dentro dela, eu te disse meu filho, amor assim é morte certa, ou morre você ou morre ela, coração só bate pra um, bater pra dois não aguenta, esforço demais pra manter duas pessoas vivas, dizia a mãe, tentando resgatá-lo, repetia as mesmas palavras de antes, de quando notou o filho colado de amor, sem pensar em mais nada, transformado por anos até perder a coragem de viver, como ele estava agora, deitado no sofá, na sala escura, na vida escura que se tornou inferno desde o dia da mala vermelha.

...gente, me deixa chorar, me deixa morrer de saudade, me deixa...só quero pensar nos olhos dela, no cabelo dela, no gesto antes do sono, de como ela arrumava o travesseiro pra dormir mais perto de mim, dos afagos quando eu chegava irritado do trabalho, do carinho nos cachos do cabelo que ela sabia que eu adorava desfazer, dos avisos que eu não escutei de que estava demais o meu ciúme, me deixa ficar com a minha dor, me deixa...

...de tanto pedir foi deixado...nem família, nem amigo, ninguém consegue aguentar tanto choro de um homem, ele sabia disso, e ele sabia também que agora era a vida ou a morte, não tinha mais volta no que ele estava sentindo não, ficou dias pensando nisso, de quem tirar a vida, de como fazer, quando, hora, lugar, melhor jeito, melhor roupa, dormia, acordava, pensava, rascunhava a idéia, tornava a dormir, cansou...

...levantou do sofá, fechou todas as janelas, abriu o gás da cozinha e voltou pra sala...adormeceu e esperou...logo viria o sonho e ela voltaria pros seus braços...e nesses braços ele iria, finalmente, deixar de sofrer...


(da Série: "O amor de cada um", n.14)