domingo, 26 de junho de 2011

A prisioneira


...e então ela entrou correndo na venda, tentando se esconder dele, que não iria desistir de convencê-la a se entregar...

...coração aos pulos, enfiou-se atrás do balcão e fez sinal de silêncio em direção a Seu Virgílio pedindo, com olhar de súplica, que ele se tornasse seu cúmplice.

...ele entra derrubando tudo pela frente e grita: “pode sair, sei que cê tá aqui, vi quando entrou, sua meliante!”...

Silêncio reina absoluto. Ninguém diz nada, mas todos parecem estar acostumados com aquela perseguição...

Seu Virgílio espera, sem culpa alguma por se tornar do lado de lá, que ele desista e vá embora...

“Seu Virgílio, vou contar até dez, e se ela não se entregar por vontade, vou ter que invadir, viu?”

Novamente, ausência de palavras...

Os números vem a surgir em bom e alto som: “Um, dois, três...nove...”

...a cabeça começa a despontar, toda suja de farinha, e ela se dá por vencida, sem levantar os olhos pra encontrar com os dele...

“Aha! Eu sabia! Tá presa!”

Ele pega a corda e quando se aproxima, Seu Virgílio espalha a voz grossa pelo ar da venda:

“Ôs menino...eu fico muito agraciado de ocês brincar aqui na minha rua, porque risada de criança faz nós esquecer do lado da dureza que a vida traz...mas já pedi umas tantas vez e vô ter que acabar falando com o pai do cês...invadir minha venda pra brincar de bandido e delegado, num vai dá mais não, certo? Cês dão um jeito de fazer essa cena final lá pras banda da pracinha, que lá num tem nada pra mode ocês quebrar nem estragar...”

Ela e ele, meio acabrunhados, balançam a cabeça firmando o acordo, mas já na rua eles segredam que Seu Virgílio “bem que gosta de ver nós correndo pra cá ... e que na pracinha não vai ter a menor graça...lugar de esconder bandido é na venda do Arraial mesmo...”

...e assim, com a prisão de Danira decretada, mais uma tarde de sábado vai se desenhando em Virmaria, com os contornos das crianças do lugar...

segunda-feira, 6 de junho de 2011

Frio de junho

O frio, o vento, os dias de junho causavam-lhe um aumento do desejo de não estar só. E não era só porque todos que se amavam, os tais namorados, comemoravam a data, mas porque seu corpo parecia encolher em busca de um agasalho que ela esperava ser feito de pele de moço - ela começa a me contar - e assim passou a só pensar nisso.

Fazia um tempo buscava esse agasalho... não por opção estava só, apesar de muitos entenderem assim...era jovem, bonita, tinha sido alegre até bem pouco tempo, não havia porque não encontrar um olhar que se sentisse preso ao seu e desejasse com ela dividir os dias...as pessoas não entendiam, então, sua solidão...

Primeiro, buscou distração nos cinemas da cidade, quando se foi embora o último namorado... sentiu nenhuma vontade, logo naqueles dias, de conhecer alguém...e os filmes passaram a ser companhia diária...deleite em suas tardes...

Depois se cansou, virou repetição, dias passaram a ser longas tardes sem final, e dormir virou uma obrigação para que ela não se encontrasse com a madrugada ainda sem sono e perdesse o trabalho na manhã seguinte.

Meses assim... até o frio chegar e, com ele, o tal pensamento no agasalho...

Achou que levariam ele a ela... desejou, esperou, desesperou, e saiu num fim de domingo certa de que naquele dia voltaria com ele nos braços...

Vagou pelo parque até tarde da noite...

Não voltou nem no domingo, nem na segunda.

Deram por sua falta...

Demoraram um pouco pra reclamá-la como desaparecida.

Encontraram-na, vagando na estrada que segue ao encontro da cidade vizinha...  descalça, cabelos em desalinho, agasalhada em pedaços de pele de um homem, retalhos de um corpo encontrado na beira do lago do parque, que ela insiste em dizer não conhecer com esse sorriso estranho no rosto, enquanto me fala essas palavras sem sentido que aqui tomo em depoimento. Melhor chamar o psiquiatra de plantão no posto médico. Aqui, na delegacia, essa jovem não pode mais ficar.

(da Série: "O amor de cada um", n.10)