sexta-feira, 15 de novembro de 2013

Psicanálise e Humor

Entrevista de Pacha Urbano, criador das tirinhas "As fantásticas traumáticas aventuras do Filho do Freud", concedida à Juliana Marques Caldeira Borges, psicanalista do Círculo Psicanalítico de Minas Gerais (CPMG). Pacha está em Belo Horizonte para o lançamento do livro "O Filho do Freud" no Festival Internacional de Quadrinhos (FIQ), com sessão de autógrafos hoje, 15/11, às 18hs, na Serraria Souza Pinto.

Juliana: Pacha, como surgiu a idéia de escrever as tirinhas “As fantásticas traumáticas aventuras do Filho do Freud”?
Pacha: Foi durante uma aula de Psicanálise e Educação, no ano passado, na faculdade onde curso Pedagogia. A professora passou uma cinebiografia sobre Freud e ao final do filme pensei: “Deve ter sido uma droga ser filho do Freud”, porque um homem tão devoto ao próprio trabalho não teria muito tempo para compartilhar com a família, além, claro, de como lhe pareceriam óbvias todas as gracinhas de uma criança. E veio aquele estalo! Sempre levo comigo algum caderno de desenho, e então rabisquei a que viria a ser a primeira tirinha da série. Nela o primogênito do Freud aparecia no consultório com uma toalha nas costas e uma cueca na cabeça, se mostrando para o pai como sendo o Superego, estas coisas que as crianças fazem e nós rimos, mas para o pobre Jean-Martin o resultado foi traumático.


Juliana: Você imaginava qual a repercussão que elas teriam?
Pacha: Não fazia ideia. Até hoje me surpreendo com a quantidade de gente que diz conhecer as tirinhas, ou mesmo o tráfego de curtidores na página do Facebook. A princípio publiquei uma foto do meu caderno com a tirinha rabiscada no meu perfil, para meus amigos, e a coisa foi compartilhada por uma porção de pessoas. Acabou que alguns meses depois um site de humor a republicou, sem qualquer crédito para mim, e isso me deixou preocupado. Como virava e mexia me pediam outras tirinhas, decidi fazer mais algumas dentro daquele mesmo clima da primeira e passei a publicá-las num tumblr, e então no Facebook, e foi aí que a coisa se proliferou de verdade. De 31 de maio do ano passado, data da primeira tirinha publicada no Facebook, até hoje, toda terça-feira, e às vezes em outros dias da semana também, publico uma tirinha nova, que é compartilhada por centenas (algumas delas por milhares) de pessoas. Logo nas primeiras tirinhas eu fui convidado para participar de um simpósio de Psicanálise na UNESP de Bauru, além de editoras querendo publicá-las em livro. Era surreal para mim a velocidade com que as coisas foram se dando. A progressão é ainda maior porque elas são traduzidas por voluntários para outros três idiomas: inglês, francês e espanhol. Então é normal receber comentários de gente de outros países, pedindo atualização das tirinhas. Soube também que alguns professores e alunos usam as tirinhas em seus trabalhos. E pensar que tudo começou como uma gozação...



Juliana: As tirinhas são ótimas. Qual o seu conhecimento dos conceitos desenvolvidos por Freud tais como Complexo de Édipo, Histeria, Inconsciente, dentre outros, para conseguir utilizá-los com propriedade e humor em suas criações?
Pacha: Estudo Psicanálise como autodidata há alguns anos, porque é um assunto que me interessa muito. Entrei em contato com as obras de Freud quando fui fazer uma pesquisa sobre indumentária do século XIX para um projeto de quadrinhos passado nesta época (e que acabou nem sendo publicado), no início dos anos 2000. Como não tinha acesso à internet naquela época, recorri a revistas e livros que tivessem fotos da Europa neste período e me esbarrei com Teratologia e Psiquiatria na Era Vitoriana, a antropologia criminal de Cesare Lombroso, as investigações sobre hipnotismo de Jean-Martin Charcot e então Freud e o estudo sobre sonhos. Desde então estudei as obras completas, e alguns trabalhos dos seus discípulos. Acho que este projeto das tirinhas é uma tentativa minha de comprimir todos estes anos de estudos em quatro quadrinhos por vez. Até mesmo para poder compreendê-los, jogar com eles. Com o agravante, obviamente, de tentar fazer as tirinhas parecerem engraçadas também para o leigo, não só para quem já está familiarizado com a Psicanálise. É o meu desafio a cada vez que abro o computador e penso na próxima tirinha: quantos níveis de compreensão eu consigo embutir nestes quatro quadrinhos? Como analisando e como entusiasta da Psicanálise é bastante proveitoso, porque me deparo com temas complexos e os desconstruo para fazer caber numa piada. Como artista é divertidíssimo explorar o humor gráfico - com o qual não tinha muita intimidade, a não ser como apreciador - porque sempre achei dificílimo fazer humor, principalmente tirinhas de humor. Está sendo uma experiência sensacional e um grande aprendizado este exercício.

Juliana: Segundo Freud, "o humor é, pois, a rebelião do ego contra as circunstâncias adversas, transformando o que poderia ser objeto de dor em objeto de prazer"...Qual a sua opinião sobre a capacidade do ser humano de brincar e rir de si mesmo em tempos tão agressivos e pesados, como os da sociedade atual, onde a desigualdade, a violência e o narcisismo têm se mostrado tão em evidência? É possível rirmos de nossa dor, na contemporaneidade?
Pacha: O homem sempre riu de si mesmo, não sei se por um tipo de mecanismo de defesa ou por morbidez, mas procurou sempre encontrar algo de patético no trágico através da ironia. Como ironizar é que é a ciência. Minha grande preocupação nas tirinhas é não ofender alguém ou alguma minoria, que já apanha o suficiente de todos os lados, só para garantir uma piada. É muito fácil fazer troça de quem já está derrubado, nunca gostei disso. Prefiro fazer piadas que tenham a ver com condutas e escolhas equivocadas, ou ainda situações do cotidiano que temos como naturalizadas e que, se vistas de outros ângulos, são extremamente absurdas. Trato de revezar os vetores da piada, justamente para não massacrar ninguém, embora alguns arquétipos eu mantenha; como o Jean-Martin, que é mais ingênuo, a Anna, que é mais maliciosa, o velho Freud, que é mais provocador, a Martha, que é mais compreensiva, e assim por diante, onde todos são alvo das piadas, mas também alfinetam. Por exemplo, ora o Jean-Martin é aterrorizado pela figura paterna, ora é o velho Freud que sofre com a agressão edípica do filho, ora a Martha acolhe os filhos, ora é oprimida pelas neuroses deles. Tudo carregado de humor negro, mas tentando sempre não cruzar a fronteira sutil da ofensa e da baixaria tão fácil de cruzar se não tivermos consideração pelo outro. O mesmo para os pacientes que aparecem no consultório do doutor com suas mazelas e traumas, que se por um lado não os poupo, ironizando-os, por outro ataco quem os faz vítima também. Não é um trabalho fácil, recebo críticas, mas é fundamental aprender a quebrar a sisudez que as pessoas se impõem, principalmente no meio psicanalítico.

Juliana: Em seu artigo "Do trágico ao drama, salve-se pelo humor" (1), a psicanalista Maria Mazzarello Cotta Ribeiro escreve que "Freud considerava o humor um dom raro e precioso." Ainda, segundo a autora, "Freud foi descrito, pelos seus biógrafos, como sendo um homem espirituoso. Algumas passagens de sua vida confirmam este dom, por exemplo, quando as autoridades nazistas exigiram que ele assinasse um documento declarando não ter sofrido maus-tratos. Ele assinou, mas acrescentou de próprio punho: "Posso recomendar altamente a Gestapo a todos". Para sua sorte, seu fino humor passou despercebido pelos oficiais". Então, para terminarmos brincando, se Freud comparecesse hoje ao FIQ para a sessão de autógrafos de "O Filho do Freud", o que você diria a ele?
Pacha: Sempre achei o Freud um gozador. Aquela figura séria das fotografias não compete com a imagem que tenho dele ao ler seus textos, cheios de ironias com seus opositores, ou as centenas de citações às obras de outros estudiosos, com alguma irreverência. As conferências dele sempre são entrecortadas por algum comentário deste tipo. Entretanto, escreveu um dos livros sobre chistes mais chatos do Ocidente! Hahahaha! É isso: o vejo como um sujeito solene na apresentação de suas ideias, mas que conseguia encontrar graça no absurdo. E, se de alguma forma ele pudesse aparecer na sessão de autógrafos do Filho do Freud no FIQ, passada a estupefação inicial de ter diante de você alguém que admira tanto, eu diria: “Obrigado por me ajudar a não me levar tão a sério, doutor.”


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Pacha Urbano: escritor, criador das tirinhas “As fantásticas traumáticas aventuras do Filho do Freud”.

Juliana M. Caldeira Borges: psicanalista, professora da disciplina “Formações do Inconsciente” (Formação em Psicanálise) do Círculo Psicanalítico de Minas Gerais, mestre em Ciências da Saúde, Saúde da Criança e do Adolescente/FMUFMG.








segunda-feira, 11 de março de 2013

...e assim vem o amor...

Eu já havia me preparado pra iniciar meu sono ontem, quando encontrei um escrito tão belo e tão "amor de cada um", que não resisti a viajar pelas linhas do texto do Leonardo Lellis...e como eu o adorei, li e reli, não resisti ao desejo de compartilhá-lo aqui, no Prima Letra...esse escrito amoroso que nos faz pensar que o amor é, sim, de cada um...e que pra cada um ele vem de um jeito...às vezes sem aviso, em outras após longa espera, de jeito disfarçado, proibido, declarado, escondido, revelado, enfim, inúmeras combinações que os casais vão desenhando, cada um com sua história pra contar...

...e assim veio esse amor, o do Leo, misturado às lembranças da inocência da infância, tempos em que a gente acredita, de verdade, que saberá o futuro antes mesmo de conhecer quem vai roubar o nosso olhar...que sejam felizes, o Leo e a Naiara!...e que seus filhos também possam redescobrir brincadeiras que os tempos modernos insistem em apagar...




                                                                foto: Leonardo Lellis



"Eu tinha pouco mais de sete anos quando minha querida prima e fiel companheira das melhores aventuras infantis, Virginia, me ensinou uma brincadeira dessas para se fazer nos dias monótonos em que a chuva nos obrigava a passar o dia inteirinho dentro de casa em Itabirito, BH, ou na Fazenda do Vovô Ninico.

Era algo bem bobo, mas que eu me lembro até hoje como era feito: pegava-se um papel e caneta, fazia-se um quadrado e alguns traços que deveriam ser preenchidos conforme algumas respostas.

As perguntas pareciam bastante simples àquela época: "Com quantos anos você quer se casar?"; "Com quem quer se casar?"; "Quantos filhos quer ter?" e "Onde quer morar?" A única parte que não respondíamos e já era pré-estabelecida era aquela que determinaria nossa vida financeira em "rico", "pobre" ou "milionário".

Recordo-me de ter feito aquela brincadeira mais de uma vez, o resultado era quase sempre confortante: "você se casará com fulaninha, será apenas rico, terá três filhos e morará em Nova York." Única preocupação à época era se saísse que seríamos pobres. Poxa, tudo menos pobre! Eu até aceitava casar com a beltraninha quando preferia descaradamente a fulaninha ou até mesmo a sicraninha, mas pobre!? Aí era sacanagem...

Enfim, hoje me lembrei desse jogo porque de uma maneira ou de outra, eu acho que eu me casei ontem (09 de março de 2013). Digo "eu acho" não por desdenhar da instituição casamento, muito menos por ser avesso a celebrações (pelo contrário), mas é porque se daqui a 20 anos me perguntarem: "e aí, quanto tempo vocês estão casados?" o Leo do futuro responderá sem pestanejar: "olha, nós namoramos há 25 anos mas, casados mesmo a gente conta a partir do dia que recebemos as chaves do primeiro apartamento que moramos juntos".

Acho que essa resposta frustraria aquele Leo de sete anos. Mas, meu querido eu do passado, a vida é por demais fascinante e complexa para se resumir em um pedaço de papel. De todas aquelas perguntas que você cuidadosamente respondia, a única que realmente importa é com quem você quer estar (se casar)!? E quanto a isto, não se preocupe, em vinte anos, em uma noite completamente despretensiosa, você esbarrará em um diamante e, ainda que neste dia seus sentidos não estejam completamente afinados, você ouvirá dentro de si uma voz dizendo: "é ela".

E será ela mesmo, Naiara, que lhe encantará com sua doçura, bondade, delicadeza, inteligência e tantas outras qualidades que te instigarão você querer ser sempre o melhor Leo que ela e o mundo mereçam.

Confesso que das outras perguntas eu não tenho certeza de nada. Não sei se terão filhos, nem se serão ricos, pobres ou milionários, mas quanto aos pormenores, não se preocupe, a vida, com um sorriso, responderá a nós (Leo do passado e do presente), tudo na hora certa."

(texto de Leonardo Lellis, 10/03/2013)*



*gentilmente cedido a essa contadora de histórias sobre "O amor de cada um".