O frio, o vento, os dias de junho causavam-lhe um aumento do desejo de não estar só. E não era só porque todos que se amavam, os tais namorados, comemoravam a data, mas porque seu corpo parecia encolher em busca de um agasalho que ela esperava ser feito de pele de moço - ela começa a me contar - e assim passou a só pensar nisso.
Fazia um tempo buscava esse agasalho... não por opção estava só, apesar de muitos entenderem assim...era jovem, bonita, tinha sido alegre até bem pouco tempo, não havia porque não encontrar um olhar que se sentisse preso ao seu e desejasse com ela dividir os dias...as pessoas não entendiam, então, sua solidão...
Primeiro, buscou distração nos cinemas da cidade, quando se foi embora o último namorado... sentiu nenhuma vontade, logo naqueles dias, de conhecer alguém...e os filmes passaram a ser companhia diária...deleite em suas tardes...
Depois se cansou, virou repetição, dias passaram a ser longas tardes sem final, e dormir virou uma obrigação para que ela não se encontrasse com a madrugada ainda sem sono e perdesse o trabalho na manhã seguinte.
Meses assim... até o frio chegar e, com ele, o tal pensamento no agasalho...
Achou que levariam ele a ela... desejou, esperou, desesperou, e saiu num fim de domingo certa de que naquele dia voltaria com ele nos braços...
Vagou pelo parque até tarde da noite...
Não voltou nem no domingo, nem na segunda.
Deram por sua falta...
Demoraram um pouco pra reclamá-la como desaparecida.
Encontraram-na, vagando na estrada que segue ao encontro da cidade vizinha... descalça, cabelos em desalinho, agasalhada em pedaços de pele de um homem, retalhos de um corpo encontrado na beira do lago do parque, que ela insiste em dizer não conhecer com esse sorriso estranho no rosto, enquanto me fala essas palavras sem sentido que aqui tomo em depoimento. Melhor chamar o psiquiatra de plantão no posto médico. Aqui, na delegacia, essa jovem não pode mais ficar.
(da Série: "O amor de cada um", n.10)
Essa história teve como inspiração minha aula no CPMG na última segunda-feira, onde conversei com os alunos sobre a perda da realidade na neurose e na psicose e sobre perversão. Minha turma de "Formações do Inconsciente" rendendo letras!
ResponderExcluirLindo, Professora !!! E quem foi que disse que não há poesia na patologia ??!!!! rs rs rs
ResponderExcluirRetornei à aula de segunda passada, mas desta vez, embebida de uma compreensão mais poética (ou seria mais humana???) para repensar a psicanálise.
1 abraço e 1 lindo dia dos namorados!
Carem
Isso mesmo, Carem...Guimarães Rosa sabia bem sobre isso...por isso foi da medicina à escrita com tanta singularidade!
ResponderExcluirObrigada e grande abraço...até segunda.