segunda-feira, 6 de fevereiro de 2012

Dois ou um: a escolha

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...era muito fácil dizerem a ele o que fazer...esquece, muda de cidade, muda de país, você consegue se apaixonar de novo, os amigos, então, ninguém suporta ver um homem chorar por amor, parece fraqueza, coisa de mulher, imagina, ela não te merece, só pode ser vadia, ela vai voltar se arrastando quando ver você com outra, ela nunca prestou, todos, todos mesmo, todos os conselhos só serviam pra jogá-lo mais ainda num buraco que parecia interminável, desde o dia em que ela anunciou em alto e bom som, agora acabou, Elídio, não aguento mais viver ao seu lado, você me sufoca, fica vigiando o caminho dos meus passos, como se meus passos fossem dar na cama de algum homem por aí, e eu tentei te provar durante mais de cinco anos que só vivi pensando em você, pensando em te dar filhos, que você nunca quis porque no fundo não consegue pensar em ninguém aconchegado nos meus braços que não seja você, nem uma criança, nem um filho feito de nós dois, com nosso jeito, nossa mistura, nem isso você quis, de tanto ciúme, e isso é doença, não consigo mais, ela disse, comovida, ele percebeu, mas decidida a nunca mais voltar, isso ele também percebeu, e ficou tão perplexo que não teve reação na hora, deixou ela dar meia volta com aquela mala vermelha, presente que ele deu, sem nunca imaginar que a mala serviria pra ela reunir seus pertences e seguir outro caminho.

Todo mundo achou que ele não deixaria, gritaria, trancaria a porta, bateria nela e talvez fizesse até pior, porque homem ciumento reage assim, prefere se ferrar pelo resto da vida a deixar a mulher ir embora, pois mulher igual a ela não ia nunca ficar sozinha, então, na verdade, o caminho dela ia dar mesmo na cama de outro, só de pensar dava vontade mesmo de matar...mas tudo virou com aquela saída, ele não fez nada...enquanto ela abria a porta pro mundo, ele parecia não acreditar, ficou meio abobalhado, ficou horas assim, depois dias, a família entrando e saindo da sua casa, mandando ele comer, voltar pro trabalho, os amigos falando aquelas coisas, e ele só chorando, querendo ela de volta, pensando na dor e no horror de perder a mulher que ele enfeitou nos sonhos até conseguir levá-la pra morar com ele e agora, nada, ela indo embora, a vida indo embora, o pensamento indo embora, o homem que ele era indo também, agarrado ao corpo dela, que nunca mais seria dele.

...eu sempre disse que isso não ia dar certo, onde já se viu acreditar que ela levava sua vida dentro dela, eu te disse meu filho, amor assim é morte certa, ou morre você ou morre ela, coração só bate pra um, bater pra dois não aguenta, esforço demais pra manter duas pessoas vivas, dizia a mãe, tentando resgatá-lo, repetia as mesmas palavras de antes, de quando notou o filho colado de amor, sem pensar em mais nada, transformado por anos até perder a coragem de viver, como ele estava agora, deitado no sofá, na sala escura, na vida escura que se tornou inferno desde o dia da mala vermelha.

...gente, me deixa chorar, me deixa morrer de saudade, me deixa...só quero pensar nos olhos dela, no cabelo dela, no gesto antes do sono, de como ela arrumava o travesseiro pra dormir mais perto de mim, dos afagos quando eu chegava irritado do trabalho, do carinho nos cachos do cabelo que ela sabia que eu adorava desfazer, dos avisos que eu não escutei de que estava demais o meu ciúme, me deixa ficar com a minha dor, me deixa...

...de tanto pedir foi deixado...nem família, nem amigo, ninguém consegue aguentar tanto choro de um homem, ele sabia disso, e ele sabia também que agora era a vida ou a morte, não tinha mais volta no que ele estava sentindo não, ficou dias pensando nisso, de quem tirar a vida, de como fazer, quando, hora, lugar, melhor jeito, melhor roupa, dormia, acordava, pensava, rascunhava a idéia, tornava a dormir, cansou...

...levantou do sofá, fechou todas as janelas, abriu o gás da cozinha e voltou pra sala...adormeceu e esperou...logo viria o sonho e ela voltaria pros seus braços...e nesses braços ele iria, finalmente, deixar de sofrer...


(da Série: "O amor de cada um", n.14)

2 comentários:

  1. Denso. Muito denso. um bom escritor consegue imprimir em sua narrativa o que quer. Seja a leveza do post posterior (naquela praça, naquele bloco), seja o peso implosivo do desespero abissal do amor em vão de quem não tem nada a perder, por não ter mais nada. e aqui está a Juliana, mostrando todos os seus pesos e levezas, emocionando a todos com suas palavras maravilhosas, primeiras ou derradeiras. Muito bom estar aqui, muito bom poder sentir vc, ver vc.

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  2. Zeppa, querido, muito bom saber que o que escrevo te alcança, de alguma maneira. Beijos. Volte sempre. Aqui e na nossa cidade!

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