quinta-feira, 17 de setembro de 2009

A bruxa da história

A mãe de um garotinho de 6 anos disse-me hoje que ele está terrível, implicando com todo mundo, pondo apelidos. “Acredita que ele chamou a coleguinha de bruxa e ela quase derreteu de tanto chorar? E ela, coitada, doida por ele”, enfatizou a mãe, discordando do que pensa ser uma rebeldia do filho. Pensei, cá com meus botões: “A colega vai ter que aprender desde cedo que segredos como esse não se pode revelar, assim, para os meninos, porque eles costumam esnobar mesmo!”

O choro da menina é até compreensível. Além de ter tido o coração atingido já tão nova, ninguém quer ser a bruxa da história. Afinal, desde criança vemos aquele ser horroroso aparecer nos Contos de Fada só realizando malvadezas. A beleza e os atos sublimes são destinados às fadas, que habitam o imaginário infantil, e por vezes os adultos bem que gostariam que elas existissem de verdade. Das bruxas queremos distância. Quando vemos as crianças chorarem por medo de alguma perdida por aí nas peças de teatro, rapidamente tentamos desmentir a fantasia: “Não tenha medo, bruxa não existe, é só faz de conta.”

Freud, no texto “O Estranho” (“Das Unheimlich”, 1919), apresenta os temas que lhe parecem mais suscetíveis de nos produzir a sensação de estranheza. Um deles teria origem na antiga visão animista do universo, quando se acreditava que o mundo seria povoado por espíritos humanos. Discutindo as idéias deste texto com meus alunos, alguns brincaram que seria melhor não questionarmos a existência de seres ligados ao sobrenatural. “E se eles estiverem por aí, às vezes até do nosso lado, e se irritarem com nossa descrença? O que poderiam aprontar?” Não é à toa que dizemos, mediante alguns acontecimentos, que “a bruxa está solta”, como deve estar, neste momento, no Senado Federal.

Mas pensando em seres sobrenaturais, lembrei-me de um caso que me divertiu muito e me rendeu boas risadas.

Recebi em minha casa uma grande amiga que vive no exterior, durante suas férias de 40 dias, aqui no Brasil. Após sua chegada, comecei a ver pedaços de biscoitos espalhados na cozinha, largados pela metade, resto de comida em pratinhos, pedaços de frutas, dentre outras variedades de alimentos. Achava estranho tudo aquilo, mas não tinha dúvidas do que fazer: jogava tudo fora. E minha amiga nunca se manifestava quanto aquele desperdício, nem se justificava pelo trabalho deixado para outras pessoas com a limpeza dos restos, nada. Silêncio absoluto sobre aquele hábito que mais parecia preguiça. E eu fui ficando cada vez mais intrigada, pois minha amiga nunca pareceu ser preguiçosa, muito menos folgada. “Mas vai saber? Debaixo do mesmo teto tudo muda de figura”, concluí resignada. E assim foi, até que um dia cheguei em casa cansada do trabalho e não aguentei ter que juntar tudo e levar para o lixo. Num ímpeto típico desses momentos em que não contamos duas vezes para falar, fui até ela e indaguei: “Bia, me diga uma coisa, por que você come biscoito pela metade e larga o resto pra trás e tem essa mania esquisita com tudo que come, ao invés de jogar no lixo as sobras?” Ela olhou-me muito séria e respondeu: “É que eu deixo para os duendes comerem.” Ai ai ai! Afastei-me, contendo o riso pela situação inusitada: eu jogando tudo fora e ela achando que os duendes estavam ficando bem alimentados. Por isso cada dia ela deixava mais coisa, animada com a visita deles à minha casa.

Não quero desfazer da crença de ninguém, mas nunca pude me esquecer deste episódio. Durante aqueles 40 dias ou os duendes foram comer na vizinha ou matei todos eles de fome! Mas, se eles existem e sobreviveram, espero que tenham me perdoado.
Neste caso, juro que não tive a menor intenção de ser a bruxa da história!

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