Eu tinha 14 anos quando fui à Bahia pela primeira vez. Foi amor à primeira vista, assim que conheci de perto Salvador. Fiquei tão apaixonada pelo lugar que voltei querendo ter nascido lá. Claro que não fui a única. Se prestarmos atenção, veremos quantas músicas foram feitas em sua homenagem.
De lá pra cá voltei inúmeras vezes, e sempre tenho a mesma sensação: meu coração pertence àquelas terras que um dia Cabral avistou. Não tem jeito. Se eu demoro a estar por lá, ele reclama. E como é perigoso deixar o coração entristecido de saudade, não me resta outra saída a não ser obedecê-lo sempre. “A Bahia tem um jeito...” e esse jeito me encanta.
Como o coração da gente sempre descobre o que nos faz feliz, o meu acabou achando um filme da Disney delicioso que se tornou a diversão daqui de casa, quando meu filho começou a falar. De tanto ver o filme comigo, as primeiras músicas que aprendeu a cantar foram “Na baixa do sapateiro” e “Os quindins de Iaiá”, esta última interpretada no filme pela Aurora Miranda. Vocês podem até achar que estou exagerando, mas é a pura verdade.
Tem coisas que a gente não consegue descrever em palavras. Esse momento de cumplicidade com meu filho, por exemplo, enquanto assistíamos Pato Donald e Zé Carioca passear pela Bahia, é uma dessas. Tornou-se uma lembrança que quero sempre trazer comigo. Mas um pouco do filme posso deixar registrado aqui. Tenho certeza de que, ao assisti-lo, se você nunca foi à Bahia, irá!
Para Belíria, que me traz a Bahia sempre.
terça-feira, 29 de setembro de 2009
quinta-feira, 17 de setembro de 2009
A bruxa da história
A mãe de um garotinho de 6 anos disse-me hoje que ele está terrível, implicando com todo mundo, pondo apelidos. “Acredita que ele chamou a coleguinha de bruxa e ela quase derreteu de tanto chorar? E ela, coitada, doida por ele”, enfatizou a mãe, discordando do que pensa ser uma rebeldia do filho. Pensei, cá com meus botões: “A colega vai ter que aprender desde cedo que segredos como esse não se pode revelar, assim, para os meninos, porque eles costumam esnobar mesmo!”
O choro da menina é até compreensível. Além de ter tido o coração atingido já tão nova, ninguém quer ser a bruxa da história. Afinal, desde criança vemos aquele ser horroroso aparecer nos Contos de Fada só realizando malvadezas. A beleza e os atos sublimes são destinados às fadas, que habitam o imaginário infantil, e por vezes os adultos bem que gostariam que elas existissem de verdade. Das bruxas queremos distância. Quando vemos as crianças chorarem por medo de alguma perdida por aí nas peças de teatro, rapidamente tentamos desmentir a fantasia: “Não tenha medo, bruxa não existe, é só faz de conta.”
Freud, no texto “O Estranho” (“Das Unheimlich”, 1919), apresenta os temas que lhe parecem mais suscetíveis de nos produzir a sensação de estranheza. Um deles teria origem na antiga visão animista do universo, quando se acreditava que o mundo seria povoado por espíritos humanos. Discutindo as idéias deste texto com meus alunos, alguns brincaram que seria melhor não questionarmos a existência de seres ligados ao sobrenatural. “E se eles estiverem por aí, às vezes até do nosso lado, e se irritarem com nossa descrença? O que poderiam aprontar?” Não é à toa que dizemos, mediante alguns acontecimentos, que “a bruxa está solta”, como deve estar, neste momento, no Senado Federal.
Mas pensando em seres sobrenaturais, lembrei-me de um caso que me divertiu muito e me rendeu boas risadas.
Recebi em minha casa uma grande amiga que vive no exterior, durante suas férias de 40 dias, aqui no Brasil. Após sua chegada, comecei a ver pedaços de biscoitos espalhados na cozinha, largados pela metade, resto de comida em pratinhos, pedaços de frutas, dentre outras variedades de alimentos. Achava estranho tudo aquilo, mas não tinha dúvidas do que fazer: jogava tudo fora. E minha amiga nunca se manifestava quanto aquele desperdício, nem se justificava pelo trabalho deixado para outras pessoas com a limpeza dos restos, nada. Silêncio absoluto sobre aquele hábito que mais parecia preguiça. E eu fui ficando cada vez mais intrigada, pois minha amiga nunca pareceu ser preguiçosa, muito menos folgada. “Mas vai saber? Debaixo do mesmo teto tudo muda de figura”, concluí resignada. E assim foi, até que um dia cheguei em casa cansada do trabalho e não aguentei ter que juntar tudo e levar para o lixo. Num ímpeto típico desses momentos em que não contamos duas vezes para falar, fui até ela e indaguei: “Bia, me diga uma coisa, por que você come biscoito pela metade e larga o resto pra trás e tem essa mania esquisita com tudo que come, ao invés de jogar no lixo as sobras?” Ela olhou-me muito séria e respondeu: “É que eu deixo para os duendes comerem.” Ai ai ai! Afastei-me, contendo o riso pela situação inusitada: eu jogando tudo fora e ela achando que os duendes estavam ficando bem alimentados. Por isso cada dia ela deixava mais coisa, animada com a visita deles à minha casa.
Não quero desfazer da crença de ninguém, mas nunca pude me esquecer deste episódio. Durante aqueles 40 dias ou os duendes foram comer na vizinha ou matei todos eles de fome! Mas, se eles existem e sobreviveram, espero que tenham me perdoado.
Neste caso, juro que não tive a menor intenção de ser a bruxa da história!
O choro da menina é até compreensível. Além de ter tido o coração atingido já tão nova, ninguém quer ser a bruxa da história. Afinal, desde criança vemos aquele ser horroroso aparecer nos Contos de Fada só realizando malvadezas. A beleza e os atos sublimes são destinados às fadas, que habitam o imaginário infantil, e por vezes os adultos bem que gostariam que elas existissem de verdade. Das bruxas queremos distância. Quando vemos as crianças chorarem por medo de alguma perdida por aí nas peças de teatro, rapidamente tentamos desmentir a fantasia: “Não tenha medo, bruxa não existe, é só faz de conta.”
Freud, no texto “O Estranho” (“Das Unheimlich”, 1919), apresenta os temas que lhe parecem mais suscetíveis de nos produzir a sensação de estranheza. Um deles teria origem na antiga visão animista do universo, quando se acreditava que o mundo seria povoado por espíritos humanos. Discutindo as idéias deste texto com meus alunos, alguns brincaram que seria melhor não questionarmos a existência de seres ligados ao sobrenatural. “E se eles estiverem por aí, às vezes até do nosso lado, e se irritarem com nossa descrença? O que poderiam aprontar?” Não é à toa que dizemos, mediante alguns acontecimentos, que “a bruxa está solta”, como deve estar, neste momento, no Senado Federal.
Mas pensando em seres sobrenaturais, lembrei-me de um caso que me divertiu muito e me rendeu boas risadas.
Recebi em minha casa uma grande amiga que vive no exterior, durante suas férias de 40 dias, aqui no Brasil. Após sua chegada, comecei a ver pedaços de biscoitos espalhados na cozinha, largados pela metade, resto de comida em pratinhos, pedaços de frutas, dentre outras variedades de alimentos. Achava estranho tudo aquilo, mas não tinha dúvidas do que fazer: jogava tudo fora. E minha amiga nunca se manifestava quanto aquele desperdício, nem se justificava pelo trabalho deixado para outras pessoas com a limpeza dos restos, nada. Silêncio absoluto sobre aquele hábito que mais parecia preguiça. E eu fui ficando cada vez mais intrigada, pois minha amiga nunca pareceu ser preguiçosa, muito menos folgada. “Mas vai saber? Debaixo do mesmo teto tudo muda de figura”, concluí resignada. E assim foi, até que um dia cheguei em casa cansada do trabalho e não aguentei ter que juntar tudo e levar para o lixo. Num ímpeto típico desses momentos em que não contamos duas vezes para falar, fui até ela e indaguei: “Bia, me diga uma coisa, por que você come biscoito pela metade e larga o resto pra trás e tem essa mania esquisita com tudo que come, ao invés de jogar no lixo as sobras?” Ela olhou-me muito séria e respondeu: “É que eu deixo para os duendes comerem.” Ai ai ai! Afastei-me, contendo o riso pela situação inusitada: eu jogando tudo fora e ela achando que os duendes estavam ficando bem alimentados. Por isso cada dia ela deixava mais coisa, animada com a visita deles à minha casa.
Não quero desfazer da crença de ninguém, mas nunca pude me esquecer deste episódio. Durante aqueles 40 dias ou os duendes foram comer na vizinha ou matei todos eles de fome! Mas, se eles existem e sobreviveram, espero que tenham me perdoado.
Neste caso, juro que não tive a menor intenção de ser a bruxa da história!
domingo, 13 de setembro de 2009
Homem tem que ser durão?
Dia desses, enquanto me encontrava presa ao nosso mar de carros que se tornou paisagem constante da cidade que habitamos, ouvi uma canção que adoro - Coqueiro Verde - que me distraiu por completo do caos ao meu redor.
Não sei se pelo desejo de me desligar do som incessante da orquestra das buzinas, cantarolei a música, desta vez, muito atenta à letra, que às vezes nos passa despercebida, numa injustiça sem fim àqueles que as compõem.
Acho a música deliciosa e a letra nos traz um dos temas que mais inquietam homens e mulheres do nosso planeta: o desencontro amoroso. O interessante é perceber como o homem, na música, tenta resolver o dilema – esperar eternamente ou ser durão, desistindo, por orgulho, da amada. Talvez este ponto seja um dos que diferencia os homens das mulheres. A espera, em nosso caso, alonga-se por tempo maior, já que o desejo feminino costuma ser mais persistente no campo do amor. Às vezes até passa do ponto de renúncia e o cor de rosa acaba por se transformar em tom acinzentado pela submissão que muitas mulheres aceitam, infelizmente, em nome do tal amor.
Mas voltando à música... O que mais me surpreendeu foi pensar que Leila Diniz poderia ter mesmo dito que “homem tem que ser durão”... Será? Uma mulher tão à frente de seu tempo, que, nas palavras da antropóloga Mirian Goldenberg, “[...] fazia e dizia o que muitos tinham o desejo de fazer e dizer. Não à toa, ela é apontada como uma precursora do feminismo no Brasil, uma feminista intuitiva que influenciou, decisivamente, as novas gerações. Leila Diniz, ao afirmar publicamente seus comportamentos e idéias a respeito da liberdade sexual, ao recusar os modelos tradicionais de casamento e de família e ao contestar a lógica da dominação masculina, passou a personificar as radicais transformações da condição feminina (e também masculina) que ocorreram no Brasil no final da década de 60.”
Se ela disse ou não, tentarei descobrir o contexto. Mas, em minha opinião, perdem os homens que se fazem de durão para não ter que pensar na mulher que querem, de que modo querem e se vale a pena esperar por ela, ainda que tenham que lhe dizer do mal estar que sentem em estar nesta posição. Mas também perdem as mulheres que se dispõem a esperar eternamente, sem nenhum movimento para ir ao encontro do que querem, descobrindo, por sua vez, o que realmente querem. Nem sempre o prazer está só na relação de amor, ainda que esta acrescente muito em nossas vidas. Este amor é realmente muito bom, mas não pode ser só o que traz sentido à vida. Podemos descobrir momentos deliciosos paralelamente ao encontro amoroso, como ser pega de surpresa, no meio da tarde, por uma canção esquecida.
Confesso a vocês que, naquele carro, naquele instante, senti-me feliz por cantarolar com Erasmo enquanto esperava o sinal verde me permitir seguir meu caminho rumo à vida, que nos traz, entre tantas coisas, o amor!
Coqueiro Verde
Composição: Roberto Carlos / Erasmo Carlos
Em frente ao coqueiro verde
Esperei uma eternidade
Já fumei um cigarro e meio
E Narinha não veio
Como diz Leila Diniz
O homem tem que ser durão
Se ela não chegar agora
Não precisa chegar
Pois eu vou me embora
Vou ler o meu Pasquim
Se ela chega e não me vê
Sai correndo atrás de mim
Não sei se pelo desejo de me desligar do som incessante da orquestra das buzinas, cantarolei a música, desta vez, muito atenta à letra, que às vezes nos passa despercebida, numa injustiça sem fim àqueles que as compõem.
Acho a música deliciosa e a letra nos traz um dos temas que mais inquietam homens e mulheres do nosso planeta: o desencontro amoroso. O interessante é perceber como o homem, na música, tenta resolver o dilema – esperar eternamente ou ser durão, desistindo, por orgulho, da amada. Talvez este ponto seja um dos que diferencia os homens das mulheres. A espera, em nosso caso, alonga-se por tempo maior, já que o desejo feminino costuma ser mais persistente no campo do amor. Às vezes até passa do ponto de renúncia e o cor de rosa acaba por se transformar em tom acinzentado pela submissão que muitas mulheres aceitam, infelizmente, em nome do tal amor.
Mas voltando à música... O que mais me surpreendeu foi pensar que Leila Diniz poderia ter mesmo dito que “homem tem que ser durão”... Será? Uma mulher tão à frente de seu tempo, que, nas palavras da antropóloga Mirian Goldenberg, “[...] fazia e dizia o que muitos tinham o desejo de fazer e dizer. Não à toa, ela é apontada como uma precursora do feminismo no Brasil, uma feminista intuitiva que influenciou, decisivamente, as novas gerações. Leila Diniz, ao afirmar publicamente seus comportamentos e idéias a respeito da liberdade sexual, ao recusar os modelos tradicionais de casamento e de família e ao contestar a lógica da dominação masculina, passou a personificar as radicais transformações da condição feminina (e também masculina) que ocorreram no Brasil no final da década de 60.”
Se ela disse ou não, tentarei descobrir o contexto. Mas, em minha opinião, perdem os homens que se fazem de durão para não ter que pensar na mulher que querem, de que modo querem e se vale a pena esperar por ela, ainda que tenham que lhe dizer do mal estar que sentem em estar nesta posição. Mas também perdem as mulheres que se dispõem a esperar eternamente, sem nenhum movimento para ir ao encontro do que querem, descobrindo, por sua vez, o que realmente querem. Nem sempre o prazer está só na relação de amor, ainda que esta acrescente muito em nossas vidas. Este amor é realmente muito bom, mas não pode ser só o que traz sentido à vida. Podemos descobrir momentos deliciosos paralelamente ao encontro amoroso, como ser pega de surpresa, no meio da tarde, por uma canção esquecida.
Confesso a vocês que, naquele carro, naquele instante, senti-me feliz por cantarolar com Erasmo enquanto esperava o sinal verde me permitir seguir meu caminho rumo à vida, que nos traz, entre tantas coisas, o amor!
Coqueiro Verde
Composição: Roberto Carlos / Erasmo Carlos
Em frente ao coqueiro verde
Esperei uma eternidade
Já fumei um cigarro e meio
E Narinha não veio
Como diz Leila Diniz
O homem tem que ser durão
Se ela não chegar agora
Não precisa chegar
Pois eu vou me embora
Vou ler o meu Pasquim
Se ela chega e não me vê
Sai correndo atrás de mim
domingo, 6 de setembro de 2009
Ser ou não ser: eis a questão!
Para André e Lucas:
Nunca fui uma torcedora apaixonada. Minha escolha pelo time deu-se como a da maioria das crianças – os laços afetivos e familiares conduziram-me ao Atlético Mineiro. A lembrança de meu pai, carregando a almofada preta e branca, dobrável, para amenizar a dureza da arquibancada nas idas ao Mineirão, e do rádio AM de meu avô, sempre ao pé de seu ouvido durante as partidas, emoldura essa opção, difícil de ser desfeita, apesar dos apelos constantes do meu filho. Ontem mesmo ele me disse que sou “meia Borges”. Para ser Borges mesmo eu teria que torcer pelo Cruzeiro. Acho que seguirei com o coração pelas metades. Deixar de ser atleticana seria rasgar ao meio a cumplicidade com meu avô, esse sim, torcedor doente. E em sua memória e de Jário Anatólio Lima, de quem sempre fui fã, contarei aqui o maior vexame do qual participei, torcendo pelo Galo.
Mineirão lotado, fim de campeonato brasileiro. Não cabia mais ninguém no estádio. Em plena adolescência, eu e minha irmã acompanhando meu avô na torcida, como costumávamos fazer em alguns domingos. Não me lembro do adversário, mas não era o Cruzeiro. A torcida masculina espremendo-se para caber sentada onde já não havia mais lugar. Eu e minha irmã sentindo o clima pesar, pois meu avô danou a implicar com os torcedores pelo espreme espreme em torno das netas que causava, inevitavelmente, as encostadas de corpos, sem nenhuma maldade. Ele nos xingatórios e a gente tentando amenizar com o “deixa pra lá” e “assiste o jogo, Vô”…
Não deu outra. Lá pelas tantas um torcedor não aguentou e, no auge da irritação, soltou a bomba:
“Mas esse homem brigando por causa de umas netas feias, se ao menos fossem bonitas, vai lá!”
A ofensa foi pior que a goleada de 5×0 do Cruzeiro no Atlético, no último domingo! Acho que depois disso voltei pouco ao campo. Não era pra menos. Ainda bem que eu e minha irmã nos recuperamos logo da lesão, em sessões de “fisioterapia afetiva”, promovidas pelo carinho de um avô amoroso. Nossa auto-estima preferiu acreditar num possível engano daquele torcedor e apostou nos amores do futuro.
Hoje, quando o Atlético joga com o Cruzeiro, sinto os meus dedos entrelaçados aos de meu avô e torço junto com ele. Essa é a maneira que encontrei de tê-lo sempre por perto. Mas acho que se ele hoje estivesse vivo, seu coração não aguentaria a amargura que temos vivido com o time…
Por isso, queridos sobrinhos, sigo sonhando com algumas partidas em que eu possa relembrar a alegria do Theodomiro, que sempre acreditou num time forte e vingador.
Que ele continue, onde estiver, nesta ilusão!
Obs: Texto escrito em 28/04/09, após uma derrota do Galo para o Cruzeiro, postado no Blog do Augusto nos comentários sobre o “Bar do Carro” /27/04/09/
Nunca fui uma torcedora apaixonada. Minha escolha pelo time deu-se como a da maioria das crianças – os laços afetivos e familiares conduziram-me ao Atlético Mineiro. A lembrança de meu pai, carregando a almofada preta e branca, dobrável, para amenizar a dureza da arquibancada nas idas ao Mineirão, e do rádio AM de meu avô, sempre ao pé de seu ouvido durante as partidas, emoldura essa opção, difícil de ser desfeita, apesar dos apelos constantes do meu filho. Ontem mesmo ele me disse que sou “meia Borges”. Para ser Borges mesmo eu teria que torcer pelo Cruzeiro. Acho que seguirei com o coração pelas metades. Deixar de ser atleticana seria rasgar ao meio a cumplicidade com meu avô, esse sim, torcedor doente. E em sua memória e de Jário Anatólio Lima, de quem sempre fui fã, contarei aqui o maior vexame do qual participei, torcendo pelo Galo.
Mineirão lotado, fim de campeonato brasileiro. Não cabia mais ninguém no estádio. Em plena adolescência, eu e minha irmã acompanhando meu avô na torcida, como costumávamos fazer em alguns domingos. Não me lembro do adversário, mas não era o Cruzeiro. A torcida masculina espremendo-se para caber sentada onde já não havia mais lugar. Eu e minha irmã sentindo o clima pesar, pois meu avô danou a implicar com os torcedores pelo espreme espreme em torno das netas que causava, inevitavelmente, as encostadas de corpos, sem nenhuma maldade. Ele nos xingatórios e a gente tentando amenizar com o “deixa pra lá” e “assiste o jogo, Vô”…
Não deu outra. Lá pelas tantas um torcedor não aguentou e, no auge da irritação, soltou a bomba:
“Mas esse homem brigando por causa de umas netas feias, se ao menos fossem bonitas, vai lá!”
A ofensa foi pior que a goleada de 5×0 do Cruzeiro no Atlético, no último domingo! Acho que depois disso voltei pouco ao campo. Não era pra menos. Ainda bem que eu e minha irmã nos recuperamos logo da lesão, em sessões de “fisioterapia afetiva”, promovidas pelo carinho de um avô amoroso. Nossa auto-estima preferiu acreditar num possível engano daquele torcedor e apostou nos amores do futuro.
Hoje, quando o Atlético joga com o Cruzeiro, sinto os meus dedos entrelaçados aos de meu avô e torço junto com ele. Essa é a maneira que encontrei de tê-lo sempre por perto. Mas acho que se ele hoje estivesse vivo, seu coração não aguentaria a amargura que temos vivido com o time…
Por isso, queridos sobrinhos, sigo sonhando com algumas partidas em que eu possa relembrar a alegria do Theodomiro, que sempre acreditou num time forte e vingador.
Que ele continue, onde estiver, nesta ilusão!
Obs: Texto escrito em 28/04/09, após uma derrota do Galo para o Cruzeiro, postado no Blog do Augusto nos comentários sobre o “Bar do Carro” /27/04/09/
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