...não pensou
muito antes de fazer o que fez...não era lá de se deixar levar pela
impulsividade, mas anos guardando aquele amor em segredo, ao mesmo tempo que
achava antigo demais “amar em segredo” nos dias de hoje, que naquela noite não
resistiu às confidências...sempre achou que amor que não pode ser vivido não é
pra ser revelado e aquele era o caso dos dois, quer dizer, não era um caso,
era “o” caso, uma história sem possibilidades que a invadia “pelos sete buracos”
da sua cabeça, como na música do Caetano, na sua presença ou ausência diárias,
pois tanto uma quanto a outra eram constantes. estar com ele ou estar sem ele só
o tornava mais presente, pois ele era o lugar...não dizia nada, não fazia nada,
só que sabia que ele sabia e fazia de conta que não sabia e fazia isso
porque queria e não queria saber o que ela vivia escondendo pra não revelar... “ser
ou não ser”, era a questão que lhe cercava todas as vezes que pensava em
desistir de um romance em aberto...mas naquele dia, naquela festa, naquela
troca de olhares, naquele momento em que o vinho foi um tanto demais pra
segurar suas palavras, resolveu ir embora antes que cedesse à vontade de ficar "para todo o sempre" ao lado dele e perdesse o caminho seguro que sempre a levava de
volta pra casa. mas acontece que “o coração tem razões que a própria razão
desconhece” e, antes que pensasse melhor, digitou pelo celular uma mensagem e
entregou a Deus o destino que ela poderia ter, mas pensou que assim seria seu
jeito de dizer que desejo por tantos anos deixa qualquer mulher
desorientada, e uma mulher desorientada vai sempre deixar um rastro qualquer
perdido na madrugada, e seu rastro foi esse, a tal mensagem, que era nada menos
do que “palavras que não param de surgir na minha cabeça...você delimita
espaços mas minha vontade de você não conhece limites. faço muito pra me
conformar. mas hoje o que eu sei é que amo muito você. muito. enormidades. mesmo
em ausência de respostas. mesmo mergulhada em impossibilidades. o meu amor é
seu”...e essas palavras foram o único rastro que deixou antes de mergulhar no
mar...sumiu. não suportou dizer a ele o que não tinha como apagar mais. talvez
por isso tenha entrado mar adentro. ninguém soube dessa história, nem ele, que
desligou o celular sem ler nada de suas linhas, antes dela desaparecer do mundo
real. hoje restam uma foto, que alguns amigos espalharam na tentativa de
encontrá-la, e esse celular, achado por mim numa areia de uma praia qualquer. o que
vou fazer com isso? nada...apenas escrever mais uma história de amor sem final
feliz, com essa versão que inventei, porque o amor é de cada um...
(da Série: "O amor de cada um", n.16)
(da Série: "O amor de cada um", n.16)